Possíveis adversários na disputa presidencial de 2026, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), anunciaram juntos, nesta quinta-feira (8), o edital de construção do túnel Santos-Guarujá, no litoral paulista. O evento foi marcado por um clima amistoso entre as lideranças, apesar de vaias e provocações na plateia.

— O dia de hoje é muito especial. Presidente, eu quero agradecer ao senhor porque, desde o início das nossas conversas, colocou esse túnel como prioridade — afirmou Tarcísio. — O senhor falou: “Não está na hora de ter disputa política, temos que atender o cidadão”. É o que estamos fazendo hoje aqui.

Lula ressaltou sua promessa eleitoral de “trazer o Brasil à normalidade”, enfatizando a importância de manter uma “relação civilizada” com adversários políticos.

— Tem gente do lado do Tarcísio que não gosta de vê-lo do meu lado, e tem gente do meu lado que não gosta de me ver ao lado dele. A gente tem que ter consciência de que tem só um lado: atender bem o povo de São Paulo e do Brasil. Esse é o nosso lado e o nosso compromisso, o restante a gente deixa passar — declarou o petista.

Durante o evento, Lula evitou citar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), padrinho político de Tarcísio, mas fez referências indiretas.

— Ninguém precisa concordar com ninguém, ter a mesma religião, torcer para o mesmo time ou almoçar na mesma mesa. Não fomos eleitos para brigar, fazer desaforo com os outros, mas para compartilhar nosso esforço para que o povo sinta prazer em ser governado por alguém que está preocupado com ele.

O clima no público, entretanto, foi mais tenso. A plateia, majoritariamente formada por apoiadores de Lula, reagiu com gritos de “sem anistia” e manifestações de apoio ao presidente. Tarcísio foi vaiado ao longo de seu discurso, especialmente ao mencionar a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Lula, que em outras ocasiões tentou conter vaias, desta vez apenas esboçou um gesto de incômodo.

Ministros do governo e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos), também destacaram a parceria entre os governos federal e estadual. O ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, classificou o edital como “um recado do amor contra o ódio”.

— Vocês tiveram a grandeza, neste momento, e, mesmo com diferenças pontuais, construíram um entendimento em nome do estado de São Paulo e do Brasil. O povo brasileiro nunca precisou tanto de convergências — disse o ministro.

Discurso sobre democracia gera desconforto

O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), foi o primeiro a abordar diretamente a tentativa de golpe de Estado atribuída a Bolsonaro pelo Ministério Público.

— Com todo esse processo que estamos acompanhando de tentativa de aniquilar a democracia do Brasil com tentativa de golpe, a gente se lembra de quando a democracia foi interrompida no nosso país e damos valor a ela.

A plateia reagiu com gritos de “sem anistia”. Enquanto Rui Costa sorriu, Tarcísio permaneceu com expressão neutra, coçando a orelha em aparente desconforto. Nesta semana, o governador paulista criticou a denúncia contra Bolsonaro, chamando-a de “revanchismo”.

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), cotado para disputar o governo de São Paulo em 2026, também abordou o tema.

— Enquanto alguns maquinavam o assassinato de adversários, o presidente Lula promove o diálogo e estende as mãos em benefício do povo e do desenvolvimento do Brasil.

Alckmin, ex-governador paulista, foi citado no evento como um dos idealizadores do projeto do túnel. Ele discursou logo após Tarcísio e antes de Lula.

O projeto

A travessia submersa entre Santos e Guarujá será a primeira do tipo no Brasil e a maior da América Latina. O edital e a fiscalização da obra ficarão a cargo do governo estadual, enquanto os custos, estimados em R$ 5,13 bilhões, serão divididos entre os governos federal e paulista. A concessionária responsável aportará ainda R$ 830 mil e assumirá a manutenção do túnel.

O leilão está previsto para 1º de agosto e dará prioridade à empresa que oferecer o maior desconto sobre a contrapartida anual estimada em R$ 270 milhões. O vencedor da licitação operará o túnel por 30 anos e poderá cobrar pedágio de veículos leves e pesados. A tarifa inicial deve ser de pelo menos R$ 6,15.

Com 1,5 km de extensão total e 870 metros submersos, o túnel ligará os bairros de Macuco (Santos) e Vicente de Carvalho (Guarujá). O projeto inclui três faixas por sentido, sendo uma adaptável para Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), além de passagem gratuita para pedestres e ciclistas.

Atualmente, o deslocamento entre as duas cidades leva cerca de uma hora fora dos horários de pico, exigindo percorrer 45 km pela BR-101 ou utilizar a Rodovia Cônego Domênico Rangoni, com travessia de balsa. O fluxo médio das balsas é de 14 mil veículos diários, chegando a 30 mil em picos. O governo estima que o túnel reduzirá o tempo de trajeto para cerca de dois minutos.

O projeto faz parte do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e exigiu meses de negociação entre Lula e Tarcísio, até que o Tribunal de Contas da União (TCU) decidisse que o governo paulista ficaria responsável pelo edital e pela fiscalização, por meio da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp).